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Em 1986 iniciei-me pela primeira vez nas lides autárquicas e logo como líder na Assembleia Municipal de Sintra das bancadas conjuntas do PSD e do CDS que tinham concorrido em coligação e com sucesso no acto eleitoral anterior.
Começava por essa altura um novo ciclo do poder autárquico em Portugal após a instauração da democracia. A primeira fase tinha durado cerca de 10 anos desde as primeiras eleições autárquicas no pós-revolução em dezembro de 1976. Uma década de respostas a satisfazer as necessidades mais básicas das populações, ao nível das infraestruturas: agua, eletricidade, gás, saneamento ou vias de comunicação.
Pode parecer estranho, mas há 40 anos muitas povoações mesmo próximo de Lisboa, não dispunham de acesso às respostas primárias de necessidade, aquilo que se poderia designar de marca de civilização, como deriva do direito ao tecto, à higiene e á utilização dos instrumentos tão comuns como seria o frigorífico, o fogão, o aquecimento, o banho, entre outros.
Nessa época vislumbrava-se já a pressão urbanística nos espaços à volta da cidade. E o grande combate político da época residia em saber resistir a essa pressão.
O conceito de planeamento embora presente ainda era muito incipiente na influência dos processos de decisão autárquico que se pressentia careciam de criar respostas à pressão social e construtiva do momento.
Em matéria de ordenamento muito se evoluiu. Da inexistência de planos diretores municipais – planos de pormenor, de urbanização, entre outros - passamos para uma fase em que se retificam de forma integrada esses instrumentos.
As preocupações ambientais, a criação de respostas sociais ao nível da terceira idade e da infância, a assunção de responsabilidades na gestão do parque escolar e desportivo, de restauro e reabilitação de imóveis históricos ou de interesse cultural sucederam-se à construção da estrada, do fontenário ou do jardim público. Do investimento em betão passamos para o investimento nas pessoas.
A envolvente à intervenção autárquica modela a intervenção em cada órgão autárquico e marca cada momento de gestão do poder local. A intervenção, a capacidade e o reconhecimento do trabalho numa assembleia municipal assenta na perceção do que os restantes órgãos autárquicos, nomeadamente, a câmara municipal realiza.
Há quem pretenda que a assembleia municipal seja o parlamento local. É muito mais que isso. Não é um espaço de exercício político reconhecido. As populações tendem a reconhecer como centro do poder a câmara e o respetivo presidente não o fórum onde reside o poder deliberativo formal.
A assembleia municipal dispõe de instrumentos participativos onde as populações podem fazer ouvir a sua voz. Onde a oposição pode criticar o poder e reivindicar a intervenção da câmara municipal retificando injustiças, faltas de atenção ou cobrando promessas do poder. É um espaço de dialogo público logo um instrumento relevante que acompanha a evolução do poder local. Modela e credibiliza a gestão local que, sendo incisiva, tem a faculdade de corrigir caminhos e vias para o entendimento.
Fui membro da assembleia municipal de Sintra desde 1986 a 2013 (com um interregno entre 1989 a 1993) e desempenhei a função de líder de bancada durante 19 anos. Nesse período convivi com 3 presidentes de câmara: Fernando Tavares de Carvalho, Edite Estrela e Fernando Seara. Em todos reconheço que foram interpretes das fases de desenvolvimento específico das autarquias locais, mas assumo o apoio e empenhamento e cumplicidade política nas gestões deste último. Estive em situação de poder e de oposição, em coligação e apenas eleito pelo PSD.
A experiência adquirida proporcionou-me momentos de profunda gratificação. O contacto direto com os problemas específicos do dia-a-dia das populações e a necessidade de encontrar respostas – sem dispor de competências para tal – criou momentos de frustração e jubilo.
O exercício do mandato conduziu a muitos momentos de tensão. Interna, na gestão de um grupo que tinha naturalmente interesses políticos distintos e externamente, na defesa das posições politicas face aos restantes grupos e perante a câmara que tem sempre motivações e responsabilidades diferentes daquelas que os deputados municipais representam.
A idêntica legitimidade eleitoral que os órgãos municipais dispõem, potenciam esses momentos de tensão. Situação agravada, porquanto a assembleia enquanto órgão fiscalizador da câmara coexiste com a responsabilidade dos eleitos de freguesia que a integram e que respondem também eles perante as suas comunidades, numa relação de proximidade ainda mais vincada.
Contrapõe-se a estes momentos, a satisfação da realização. O sentimento de participar da construção de uma solução para responder às necessidades coletivas muito diversificadas principalmente num concelho como Sintra. Estamos perante um concelho singular: urbano e rural, com forte pressão urbanística e de falta de ordenamento de difícil correção, com a exigência de respostas sociais tremendas, ao nível das comunidades educativas e de necessidades especiais, correspondendo Às expectativas das famílias e dos agentes económicos, do turismo ou da proteção do imenso património histórico, monumental e paisagístico e cultural.
Durante os meus mandatos na assembleia municipal confrontei-me com situações bizarras e paradoxais: colegas que se apresentaram com correntes, dissensões de partidos, eleitos por listas diferentes, manifestações que implicaram ser acompanhado por segurança privada, conflitos com presidentes de mesa. Um autarca é antes do mais também ele dotado de reações humanas, e por isso não estranhe que em público e perante o microfone tenha chorado, errado e até proferido palavras menos próprias. Ao longo desses anos houve situações extremas de jogadas politicas, bluff, distrações, vitórias e derrotas em momentos considerados relevantes.
Em muitos casos fui mais além da minha função e da minha responsabilidade ou competência formal. Apresentei projetos publicamente e de forma privada para encontrar respostas ao que legitimamente era suscitado. Estive presente em causas que tiveram resposta e outras que ainda aguardam uma solução.
Em todos estes anos, houve situações fantásticas. Conhecer pessoas com problemas e ajudar a resolve-los, trabalhar com funcionários competentes, preocupados e disponíveis, lidar com situações adversas. Contactar, negociar e acertar posições contrapostas, por vezes inconciliáveis e ter de aceitar, transigir e concordar com posições divergentes.
Do mesmo modo foi possível encontrar essas respostas em conjunto com pessoas de partidos políticos diferentes, concorrentes e adversários.
É ainda um espaço onde se criaram amizades e nos despedimos de amigos. Recordo com saudade e tristeza e registo as partidas de autarcas dedicados como foram João Carlos Cifuentes, Orlando Raposo e Mário Marinheiro do meu partido. Como não posso deixar de referir eleitos por outros partidos e que entretanto nos deixaram, Acácio Barreiros e o Brigadeiro Machado de Sousa ambos presidentes anteriores desta assembleia. Não esqueço todos os demais autarcas, funcionários e autoridades locais, regionais e nacionais com quem me cruzei ao longo de quase trinta anos. Uma referência particular ao último presidente da assembleia municipal Ângelo Correia com quem convivi durante dois mandatos
A assembleia municipal pode não ser reconhecida como o órgão local mais interventivo ou decisivo. Mas desempenha uma função determinante no equilíbrio entre o poder executivo centrado na câmara eleita de forma tão direta como qualquer membro deste órgão.
A assembleia municipal tem uma responsabilidade de suscitar a participação pública e de exercer o seu magistério de fiscalização para responder à confiança dos eleitores. Responsabilidade maior num concelho com quase meio milhão de pessoas. E dessa responsabilidade ninguém se pode demitir.
António Rodrigues
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